Modinha, uma história brasileira

Descendente direta da moda portuguesa, a MODINHA, ou Modinha Imperial, nasceu no final do século XVIII e fez imediato sucesso no Brasil, principalmente nos centros urbanos. Alguns pesquisadores chegam a afirmar que ela é genuinamente brasileira, mas a falta de documentos que comprovem este fato não nos deixa chegar a uma conclusão definitiva.

Na verdade, “a Modinha é portuguesa para os portugueses, e brasileira para os brasileiros”. Sendo de lá ou de cá, isto não importa. O que importa é que este gênero, hoje parte de nossa história musical, deu origem a quase todas as linhas melódicas compostas atualmente na MPB. No samba carioca, por exemplo, que é uma perfeita amostra da miscigenação do povo brasileiro, temos a rítmica completamente afro e a harmonia e melodia típicas das modinhas. O mais interessante é que a formação musical do samba: Violão de 7 cordas, violão de 6 cordas e cavaquinho é a mesma formação originalmente utilizada na modinha, excluindo a viola caipira, que por motivos ignorados, acabou sumindo das rodas de samba e dos instrumentos introduzidos pelos negros.

“Modinha é um diminutivo de moda, tipo mais antigo da canção portuguesa, cuja denominação coexiste, no Brasil, com aquela: moda de viola, moda sertaneja, etc.”

Mestre Aurélio assim a define: Bras. Da segunda metade do séc. XVIII até c. 1850, gênero de romança de salão, em vernáculo, e inspirada, quanto à forma, na ária de ópera italiana.

Bras. Depois de 1850, gênero de cantiga popular urbana, com acompanhamento de violão.

A Modinha, quase sempre amorosa, ou até mesmo erótica, era uma canção da rua e, numa época de preconceitos, tocada por violeiros vagabundos, beberrões e negros.Os instrumentos usados eram: Viola caipira, violão, cavaquinho e bandolim, podendo em alguns casos, ter o acompanhamento de percussões de origem afro.

Ribeiro dos Santos, que as ouviu em Portugal, no séc. XVIII, diz que eram “cantigas de amor tão descompostas, que corei de pejo, como se me achasse de repente em bordéis ou com mulheres de má fazenda”.

Mas parece que a nobreza portuguesa não era tão pudica como Ribeiro dos Santos, e logo “Após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808, a modinha, que acabou por enfeitiçar a nobreza, transformou-se em canção camerística, musicando os acontecimentos sociais da aristocracia imperial do Rio de Janeiro”. Este fato influenciou também na escolha dos instrumentos: como as violas e violões eram incompatíveis com a burguesia, que os consideravam instrumentos de trovadores vagabundos, o piano, indispensável nos salões da nobreza e nas casas de família, acabou tomando frente a esta modalidade.

Há princípio, nas velhas modinhas impressas, quase sempre o poeta e o compositor ficavam no anonimato, mas logo ela se tornou um estilo nacional e grandes compositores e escritores se encantaram com ela. “Até o imperador Pedro I se rendeu às melodias melosas das modinhas e se aventurou como compositor. Era razoável, tinha boa voz e gostava de cantar.” Mais recentemente, Villa-lobos, Tom, Vinícius, Chico Buarque, etc., etc. também prestaram belas e inspiradas homenagens ao gênero, prova irrefutável que a MODINHA é uma história brasileira. Uma bela história de amor à brasileira.

Carlos Gomes, que era natural de Campinas, São Paulo, “deixava transparecer em suas modinhas sua origem interiorana, das festas de salões nas fazendas de café, dos saraus lítero-musicais tão freqüentes no Rio e São Paulo do século XIX. Em suas composições encontramos também um pouco do lirismo francês e muito dos tons humorísticos das canções italianas”. Em Portugal Domingos Caldas Barbosa, o Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu (1740-1800) foi o mais afamado dos modinheiros setecentistas e muitas de suas composições se tornaram clássicos que até hoje são gravados por artistas de nome.

No fim do século XIX e início do XX, a modinha viveu sua fase de maior popularidade, ganhando as ruas como música serenata. “Um dos principais responsáveis por essa popularização foi o baiano Xisto Bahia (1841-1894), autor de A Mulata (com Melo Moraes Filho) e Quis Debalde Varrer-te da Memória (com Plínio de Lima), dois grandes sucessos”. É desta época também Na Casa Branca da Serra (Guimarães Passos e J.C. de Oliveira), Perdão Emília (José Henrique da Silva e J. Pedaço) e O Gondoleiro do Amor (Salvador Fábregas e Castro Alves), canções até hoje admiradas pelo publico de todas as idades.

Seja a Modinha uma canção anônima criada por um apaixonado violeiro em noite de lua, seja uma composição camerística dos salões da nobreza, foi também dela que nasceu a nossa MPB, tão admirada em todo o mundo.

Com a modinha, nossa romântica alma brasileira aprendeu a cantar o amor e as paixões, como sentimos no exemplo abaixo:

ELVIRA ESCUTA (anônimo)

“Elvira escuta os meus gemidos
Que aos teus ouvidos irão chegar.
Não sejas traidora, tem dó de mim,
Tem dó dest’alma que te sabe amar.

Se tu me amas como eu te amo,
Eu te prometo não te desprezar.
Não sejas traidora, tem dó de mim,
Tem dó dest’alma que te sabe amar.

Teu coração é um rochedo,
Este rochedo é meu penar.
Não sejas traidora, tem dó de mim,
Tem dó dest’alma que te sabe amar.

Sobe a escada, vem devagar,
Elvira dorme, pode acordar.
Não sejas traidora, tem dó de mim,
Tem dó dest’alma que te sabe amar.

Ainda mesmo depois de morta,
As tuas faces irei beijar.
Não sejas traidora, tem dó de mim,
Tem dó desta’alma que te sabe amar.

E ainda hoje se delicia com obras-primas como esta:

ATÉ PENSEI (Chico Buarque)

Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade morava tão vizinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha.

Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre
Tão pobre de carinho
Que de tolo
Até pensei que fosses minha

Toda a dor da vida
Me ensinou essa modinha
Que de tolo
Até pensei que fosse minha

Autor: Yassír Chediak

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