Independentemente de gosto musical, é raro encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do cantor e compositor autodidata Tião Carreiro, responsável por imortalizar canções como “Amargurado” e “Pagode em Brasília”. O jornalista, escritor, pesquisador e professor universitário Romildo Sant’Anna, de Rio Preto, define o artista como uma espécie de síntese da etnia brasileira. “É mistura do mulato e do mameluco, representa a riqueza da cultura mestiça que faz do Brasil, o Brasil.
Se tivesse vivido num país ‘adiantado’ ou numa nação em que a cultura genuína da população é encarada como fator de identidade e pertencimento à terra, seria considerado um patrimônio nacional”, afirma. Para ele, a voz grave de Carreiro é uma das mais estimadas da música popular brasileira. “Foi exímio instrumentista, intérprete dos mais criativos e extraordinário poeta.
Esses atributos geralmente não são valorizados pela chamada ‘alta cultura’ ou pela cultura acadêmica, mas, certamente, são sentidos e celebrados pela maioria da população. “Os elogios rasgados não são à toa. Admirador do trabalho do sertanejo, o rio-pretense o visitou no hospital dias antes de sua morte e foi presenteado com o então mais recente disco dele, “O Fogo e a Brasa” (1992).
Além disso, enquanto a chamada “grande imprensa” quase não deu importância à perda, ele escreveu um artigo intitulado “A Morte do Carreiro”, publicado, inclusive, pelo Diário da Região.Em 2000, quando lançou a primeira edição do livro “A Moda é Viola: Ensaio do Cantar Caipira” (Arte & Ciência), deu atenção especial ao pagode de viola, uma vertente da música raiz, criada por Carreiro. Mas seu envolvimento com a vida e a obra dele não parou por aí.
Vinte anos após a morte do artista, Sant’Anna foi escolhido pela viúva Nair Avanço, 77 anos, e pela única filha dele, Alex Marli Dias, 56, para escrever um livro documental. Há cerca de cinco anos, um fã utilizou informações do portal: wwww.tiaocarreiro.com.br para lançar uma obra sem autorização da família.
Portanto, esta será a primeira publicação oficial sobre o assunto. “Está mais do que na hora de fazermos essa homenagem, para registrar seu legado para as futuras gerações”, explica Alex. Segundo a representante do espólio, ela e sua mãe conheceram o autor há alguns anos, durante uma palestra no Sesc Rio Preto, e, desde então, passaram a acompanhar seu trabalho. “Percebemos uma forte ligação com a cultura caipira, fator que consideramos de grande importância”, justifica.
No último sábado, Alex e Sant’Anna se reuniram para traçar detalhes do projeto. “Na base do ‘fio de bigode’, acertamos o conteúdo, minha exclusividade para a obtenção de depoimentos de familiares, documentos, manuscritos de composições, fotografias e gravações em áudio e vídeo inéditas. Não vou cometer indiscrições, nem inconfidências impublicáveis, mas mostrar como um cidadão simples, que nasceu na roça, transformou-se na usina criativa que hoje faz parte da memória afetiva de grande parte dos brasileiros”, explica Sant’Anna, que terá de viajar para São Paulo e Mirandópolis, a fim de coletar dados com parentes de Carreiro.
Ainda sem título definido, o trabalho deve ter de 300 a 400 páginas, para “parar de pé”, nas próprias palavras do rio-pretense. A intenção é que o material seja lançado ainda em 2013, para aproveitar a data exata de morte. Entretanto, não é possível estipular prazos. “A história acaba prevalecendo sobre o autor e pode pedir um tempo maior.
Tenho também por hábito trabalhar intensamente a questão estética da linguagem, o que requer tempo”, diz Sant’Anna. “A Moda É Viola”, por exemplo, implicou cinco anos de pesquisa, três meses de escrita e um ano para elaboração da escrita. “Até hoje trabalho nesse livro, quase diariamente, para a publicação da terceira edição”.
Em um segundo momento, é bem possível que o livro sirva como base para um filme biográfico. Mas a ideia ainda é embrionária. “Acho importante essa valorização, como instrumento de valorização da cultura nacional. Obras recentes, como ‘Dois Filhos de Francisco’ e ‘Gonzaga – De Pai para Filho’, ambas de Breno Silveira, são importantíssimas para a sedimentação da autoestima dos cidadãos comuns”, opina Sant’Anna.