O musical conta certas passagens da vida e obra de Dominguinhos misturando documento e ficção, já que o artista relembra sua trajetória através de fatos, músicas e parcerias profissionais e afetivas, enquanto conversa com sua maior e fiel companheira, a Sanfona.
Apadrinhado pelo grande Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e mestre da música popular nordestina, o saudoso sanfoneiro pernambucano Dominguinhos (1941-2013) recebe uma homenagem com o musical Dominguinhos: Isso Aqui Tá Bom Demais que estreia no dia 6 de outubro no Teatro Faap, onde segue em cartaz até 27 de novembro.
O espetáculo foi idealizado pelo diretor Gabriel Fontes Paiva e pela diretora musical Myriam Taubkin, que trabalharam durante um bom tempo com o homenageado. Já o texto foi criado pela premiada dramaturga e jornalista Silvia Gomez e traz de forma contemporânea toda emoção daquele que acabou se consolidando não somente como o mestre do forró, mas com uma carreira musical própria englobando diversos gêneros como o jazz, o pop e a MPB.
Para fazer jus a sua amplitude musical, boa parte do elenco veio do universo da música, como é o caso de Liv Moraes, cantora, parceira e filha de Dominguinhos, Cosme Vieira, que tocou sanfona com Dominguinhos quando ainda era criança, o ator e professor musical Wilson Feitosa, o compositor e arranjador Zé Pitoco, de Cupira / PE, que acompanhou Dominguinhos em inúmeros shows ao longo se sua carreira, um dos grandes expoentes da nova safra de atores e cantores brasileiros Luiza Fittipaldi e os conhecidos internacionalmente Hugo Linns, músico que é referência brasileira em viola e o aclamado percussionista Jam da Silva, os três últimos de Recife / PE.
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“Quando Dominguinhos faleceu foi um momento difícil, porque o acompanhamos de perto. Ele era muito querido e sempre foi uma delícia trabalhar com ele. Pouco depois da morte dele, procurei a Myriam, minha parceira no Projeto Memória Brasileira, que documenta a memória viva da música brasileira há 35 anos, para criar um musical sobre a vida e obra desse gênio. Foram 7 anos elaborando, negociando direitos autorais e viabilizando o espetáculo. E hoje eu entendo que conseguimos construir o projeto ideal com dezenas de outras pessoas que compreendem, respiram e vivem neste universo”, revela Paiva.
Sobre o processo de construção da dramaturgia, Silvia Gomez conta que o texto foi escrito ao longo de dois anos a partir de entrevistas com pessoas que conviveram com Dominguinhos, como Anastácia, Liv Moraes, além dos próprios Gabriel Fontes Paiva e Myriam Taubkin. Além disso, o jornalista especializado em música Lucas Nobile assina a pesquisa documental que apoiou a escrita dramatúrgica.
“Lucas trouxe um material vasto de linha do tempo, músicas, motivações, notícias e casos da vida desse mestre. O mergulho na obra incluiu programas, documentários, entrevistas e reportagens de jornais e revistas de época, além de livros como O Brasil da Sanfona, de Myriam Taubkin. Nos baseamos em fatos reais e depoimentos públicos de Dominguinhos, sem, no entanto, deixar de dialogar poeticamente com essa realidade, ficcionalizando certas passagens que envolvem as personagens evocadas”, comenta a autora.
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Muito mais do que contar de forma linear e cronológica a vida de Dominguinhos, a dramaturgia explora essa combinação entre o documental e o poético. “Há um certo lugar delirante em minhas dramaturgias e, aqui, pude expressá-lo no recorte escolhido como procedimento narrativo: em seu último momento de vida, Dominguinhos é visitado pelas histórias, pessoas – e sanfonas – que marcaram sua carreira, como se tudo se passasse numa fração de segundo infinita do pensamento e da memória. Também sou jornalista, e, pela primeira vez, pude combinar em uma peça teatral a minha formação híbrida, entre a dramaturgia e o documento. Ou melhor, pude buscar a vocação narrativa dessa vida e dessa obra tão importantes para a nossa formação cultural e afetiva”, acrescenta.
Já a encenação parte de um jogo entre os atores e músicos, que se alternam nos papéis de Dominguinhos e das pessoas que fizeram parte da vida dele. “Este jogo tem tudo a ver com a trajetória de Dominguinhos e com a obra dele. Um homem que viveu para trazer alegria para as pessoas e que conseguia contar, inclusive coisas tristes, de uma forma alegre. A encenação parte desta brincadeira com a plateia para que a gente possa transmitir a energia que ele conseguia levar a todos nós. Quem viu Dominguinhos tocar ao vivo sabe do que estou falando e é isso que vamos tentar reproduzir”, explica Gabriel Fontes Paiva.
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Ainda sobre a direção, Paiva conta que buscou resgatar como grandes referências para a montagem elementos importantes para o sanfoneiro, como a cidade de Garanhuns, em Pernambuco, onde Dominguinhos nasceu, e os ritmos e danças como forró, baião e xaxado.
“Também buscamos a música pop dos anos 70 e 80 em São Paulo e no Rio de Janeiro. Fomos atrás da raiz, mas também da antena que ele foi: um músico pop que conseguiu passar por todos os gêneros musicais e realizou parcerias com dezenas de músicos de linguagens diferentes, um artista que sempre falou de sua época”, adiciona o diretor.
Um pouquinho sobre Dominguinhos
Dominguinhos conseguiu unir o regional de um Brasil profundo com o que havia de mais moderno na música. Foi um artista que cantou a experiência humana em sua essência mais luminosa, sempre com leveza, humor, alegria e poesia.
Nascido em Garanhuns (PE), em 1941, José Domingos de Moraes iniciou a carreira ainda na infância. Aos oito anos, se apresentou para Luiz Gonzaga em um hotel de sua cidade natal, sem saber que tocava para o Rei do Baião. E, aos 13 anos, deixou seu estado com a família para tentar a sorte no Rio de Janeiro.
Em mais de 55 anos de carreira, Dominguinhos gravou 40 discos. No último desses trabalhos, Iluminado Dominguinhos, lançado em DVD em 2010, gravou grande parte de seu repertório instrumental com a participação de Gilberto Gil, Elba Ramalho, Wagner Tiso e Yamandu Costa, entre outros.
Suas músicas mais conhecidas são “Eu Só Quero um Xodó” e “Tenho Sede” (parcerias com Anastácia), cujos registros mais famosos foram feitos por Gil na década de 1970, “Isso Aqui Tá Bom Demais” e “De Volta pro Aconchego” (com Nando Cordel), clássico na voz de Elba Ramalho, nos anos 1980, “Abri a Porta” e “Lamento Sertanejo” (com Gilberto GIl).
“De Volta pro Aconchego” e “Isso Aqui Tá Bom Demais” fizeram parte da trilha da novela “Roque Santeiro”, aumentando a popularidade do artista nos anos 1980. Na mesma década, Chico Buarque gravou “Tantas Palavras”.
Dominguinhos também venceu o Grammy Latino duas vezes (em 2002 e 2012); o Prêmio Tim de Música Brasileira duas vezes (em 2007 e 2008) e o Prêmio Shell de Música (2010).
Embora morasse em São Paulo, ele sempre voltou ao Nordeste, desde as primeiras turnês com seus trios no início de carreira; nos muitos anos em que acompanhou Gonzagão; e ao lado de Anastácia. E, nunca deixou de se apresentar nas tradicionais festas juninas de Campina Grande (PB); Caruaru (PE); Feira de Santana (BA), entre muitas outras cidades.
Dominguinhos negava a maneira como sua região era tratada – pela ótica da miséria, da seca, da falta de esperança. Ele também adorava Fortaleza, onde fez inúmeros amigos, onde era muito bem recebido e onde ia descansar de seus compromissos. Sempre elogiava o povo cearense, como trabalhador e hospitaleiro.
O sanfoneiro faleceu no dia 23 de julho de 2013, depois de uma longa luta contra um câncer de pulmão, deixando um legado inestimável de valorização da música popular e da cultura nordestina.
Serviço
Dominguinhos: Isso Aqui Tá Bom Demais
Temporada de 6 de outubro a 27 de novembro
Sextas e sábados, às 20h. Domingos, às 18h.
Teatro Faap: Rua Alagoas, 903 – Higienópolis.